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A OMS (Organização Mundial da Saúde)¹ estima que no mundo, cerca de 10% das mulheres em idade reprodutiva sofrem com os sintomas da endometriose. No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, atualmente uma a cada dez mulheres possuem alguma comorbidade que deriva dessa disfunção². Considerada uma doença ginecológica crônica, é uma condição dolorosa onde o endométrio cresce fora da cavidade uterina.

É quase sempre possível encontrar a frase “…uma doença que afeta a qualidade de vida das mulheres” em um artigo que visa discorrer a respeito desta, uma vez que as mulheres portadoras dessa afecção têm suas vidas afetadas de diversas formas; seja pela dor pélvica, pela dor da cólica, pelo desconforto durante a atividade sexual, pelo sangramento excessivo ou pela possibilidade de infertilidade. Essas questões, para além do físico, afetam o campo emocional e psicológico do indivíduo, seja no âmbito da experiência materna ou na constante sensação de cansaço e fraqueza que dificultam até os afazeres mais simples do dia-a-dia.

Efeitos dos canabinoides no tratamento da endometriose

Um estudo recente divulgado pelo Journal of Clinical Medicine³, revela que os endocanabinoides derivados da cannabis possuem um efeito protetor sobre o intestino, diminuem a inflamação e melhoram sua permeabilidade: efeito que suprime a distensão abdominal – o sintoma mais comum da endometriose. Os canabinoides também suprimem inerentemente os receptores de dor e servem como analgésico natural.

Objetivo do artigo

Assim, com  a busca contínua pela pesquisa e, consequentemente, a divulgação de conhecimento científico, com o intuito de proporcionar alívio e bem-estar, o presente artigo educacional tem como objetivo levantar dados, informações e questões pertinentes ao uso das propriedades medicinais provenientes da Cannabis para o tratamento de sintomas relacionadas à endometriose, com foco em melhorar a qualidade de vida das mulheres que buscam um tratamento alternativo para a doença.

Formas de tratamentos convencionais e seus efeitos colaterais

Dentro das possibilidades de tratamento convencionais4 para o problema, há os chamados tratamentos clínicos, que incluem: pílulas anticoncepcionais, DIU hormonal, medicamentos à base de progesterona, progesterona, Danocrine, tratamentos com GnRH, Inibidores de Enzima de Aromatase; também os remédios para controle da dor somados à adesão de hábitos mais saudáveis no cotidiano; e há ainda, para os casos mais graves, a intervenção cirúrgica.

A maioria desses tratamentos apresenta, em algum grau, efeitos adversos ou colaterais: risco de trombose como no caso do uso de anticoncepcionais, por exemplo. Há também relatos de diversos efeitos pelo uso de Danazol5 que incluem distúrbios de pele, musculares, renal e urinário, problemas nas mamas e no sistema reprodutivo, inclusive disfunções laboratoriais, como o aumento de colesterol.

Limitações dos tratamentos convencionais

Pode-se pontuar, ainda, o uso de alguns medicamentos que reduzem a produção de estrogênio e acabam por acarretar à mulher, de forma precoce, os sintomas da menopausa. Além de tudo isso, há a pouca eficácia de tantos outros medicamentos e/ou o reaparecimento dos sintomas com a interrupção dos mesmos. A exemplo de consequência dos casos mais graves que envolvem a retirada dos ovários e até do útero, há a complexidade da necessidade de reposição hormonal. Em vista da vasta possibilidade de efeitos colaterais dos tratamentos convencionais, por que não atentar-se ao caminho da medicina integrativa?

Formas de tratamentos convencionais e seus efeitos colaterais

A Cannabis Como Auxiliar Integrativo

Há evidências de que a influência da progressão da endometriose está diretamente ligada aos mecanismos do Sistema Endocanabinoide (SEC) tanto na endometriose quanto no microbioma intestinal. Sendo o SEC um dos principais responsáveis por manter o equilíbrio do organismo, ele promove um tipo de “morte celular programada” (apoptose) que evita a proliferação desordenada.

Efeitos dos canabinoides no sistema endocanabinoide

Com a doença, as células endometriais não sofrem apoptose e migram para outras partes do corpo. Segundo o cientista Ethan Russo6, essa falta de apoptose na endometriose é devida a uma disfunção dos receptores canabinóides (CB1 e CB2). Nessa condição, é justamente essa irregularidade que causa os sintomas (dor, sangramento etc); deste modo, o uso de canabinoides auxilia no processo de morte dessas células excessivas migratórias.

Mecanismos de ação dos canabinoides na endometriose

Em suma, o cérebro possui esse grupo de receptores canabinoides endógenos (SEC), que está envolvido em diversos processos fisiológicos e patológicos; que interagem com os mecanismos específicos de dor presentes na endometriose. Segundo uma publicação recente feita pela Universidade Federal de Pernambuco7, “o útero expressa fortemente os receptores CB1, sendo o segundo local que mais expressa receptores canabinóides depois do cérebro”.

Ao ativar os receptores de potencial transitório vanilóide subtipo I (TRPV1), o CBD age na sensação de dor. O canabidiol também atua no receptor GPR18, cuja estimulação potencializa a migração de células, por meio da inibição da formação de FAAH, o que diminui a metabolização de anandamida em NAGly.

Potencial terapêutico da cannabis no tratamento da endometriose

Assim, o uso de substâncias como o THC e o CBD, encontradas a partir da cannabis, podem ter um efeito protetor contra a doença, por meio do aumento desses endocanabinoides, incluindo o chamado 2-AG, que reduz a inflamação e melhora a permeabilidade intestinal. 

Efeitos colaterais provenientes do uso de cannabis para tratamentos médicos

Na busca por respostas cada vez mais sólidas acerca do uso desse tratamento para a endometriose, surge outra questão que torna-se pertinente levantar: existe razão para não administrar as propriedades medicinais cannábicas com essa finalidade? Pensando nisso, o presente artigo levanta os possíveis efeitos adversos do tratamento com canabinoides em doenças que podem ser equiparadas às comorbidades advindas da endometriose (como a dor crônica, por exemplo).

Possíveis efeitos Adversos do tratamento com canabinoides

Vale ressaltar que o canabidiol está inserido na possibilidade de tratamento de diversas doenças, umas, até o presente momento, com o campo de pesquisa científica mais explorado que outros; mas há em praticamente todos os estudos, uma percepção semelhante no levantamento de possibilidades de efeitos adversos, que são, especificamente, quatro: sonolência, dor de cabeça, alteração do apetite e diarreia. São estes os efeitos colaterais relatados pelos poucos pacientes que apresentaram algum. Se comparados com os efeitos adversos dos possíveis tratamentos da doença levantados aqui anteriormente, estes apresentam riscos ínfimos.

Considerações finais sobre o tratamento com CBD para endometriose

Com base nisso, considerando o tratamento a base de CBD, especialmente com foco no alívio da dor e na melhoria da qualidade de vida vinculada às consequências emocionais e psicológicas de pacientes portadores da doença da endometriose, há uma excelente alternativa de tratamento, com baixíssima probabilidade de efeitos colaterais.

Para elucidar ainda mais essa questão, um levantamento realizado pela Acolhemedin8, de efeitos em tratamentos para comorbidades, pode ser usado como referência aos sintomas da endometriose, apresentado em seus pacientes, conforme a tabela abaixo:

Fonte: Acolhemed (Programa de Acolhimento e Acompanhamento da Medicina In)

Estudos de Caso

Estudo de caso 1: entrevista com paciente de endometriose

Em 2022, a Revista Claudia9 entrevistou a estudante de medicina, Natália Candiago, de 23 anos, que sofreu com alguns sintomas da doença por seis anos até encontrar a solução de seus problemas nas propriedades da cannabis.

A entrevistada menciona ter sofrido alguns dos efeitos colaterais das medidas convencionais – já levantados aqui -, durante suas tentativas de tratar a doença, e afirma: “Foi um combo de hábitos mais saudáveis, como alimentação e exercícios, e o uso do óleo. Isso me deu uma qualidade de vida muito superior à que eu tinha antes, sem dores e outros sintomas”. 

Estudo de caso 2: tratamento com extrato de cannabis

Um outro estudo de caso, divulgado pela Fundación Canná10, expõe uma mulher de 28 anos de idade a um regime cannabico: a princípio, a jovem fazia uso de um extrato de 1:1 CBD/THC ou 2:1 CBD/THC, duas vezes ao dia, de 15 a 25 mg, dependendo dos sintomas; alternando com a vaporização de flores de THC para as crises de dor aguda. Conforme sua melhora progredia, as dosagens caíram para 5 a 10 mg, também de uma a duas vezes ao dia, com o acréscimo de um supositório vaginal dominante em THC (Tipo 1) ou THC: CBD 1:1 (Tipo 2) ao tratamento. Segundo a pesquisa, a melhora da dor pélvica foi significativa, bem como houve melhora na qualidade de vida de maneira geral da paciente.

Conclusão

Enquanto por um lado os tratamentos convencionais oferecem soluções nem sempre tão satisfatórias e ainda podem oferecer desde riscos à saúde em diversos outros aspectos, à desconfortos e efeitos colaterais; os estudos realizados nos últimos anos demonstram que, além de resultados extremamente favoráveis no combate aos sintomas que tanto afetam a qualidade de vida das mulheres portadoras desta condição, não há qualquer efeito colateral ou adverso no uso do CBD como um recurso medicinal no tratamento da mesma.

Assim, urge a necessidade de priorizarmos o bem-estar e a qualidade de vida de quem enfrenta essas dificuldades diariamente. Por que não incentivar o uso da cannabis medicinal no combate à doença? É necessário olharmos para as possibilidades de forma a tornar acessível a todos, cada vez mais, boas condições de existência, uma vez que até o presente momento, dentro das perspectivas de avanço da ciência, não há uma solução definitiva para a endometriose. Inicialmente, o tratamento com canabinoides visa reduzir a dor, mitigar outros sintomas (incluindo os aspectos psicológicos e emocionais) e reduzir as lesões associadas.

Referências

1ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Endometriosis. OMS, s.d. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/endometriosis Acesso em Abril de 2024.
2MARTINS, Fran. BRASIL. Ministério da Saúde. Endometriose: uma a cada 10 mulheres sofre com os sintomas. Saúde e Vigilância Sanitária. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2022/marco/endometriose-uma-a-cada-10-mulheres-sofre-com-os-sintomas. Acesso em Abril de 2024.
3Farooqi, T.; Bhuyan, D.J.; Low, M.; Sinclair, J.; Leonardi, M.; Armour, M. Cannabis and Endometriosis: The Roles of the Gut Microbiota and the Endocannabinoid System. J. Clin. Med. 2023, 12, 7071. Disponível em: https://doi.org/10.3390/jcm12227071 Acesso em Abril de 2024.
4SILVA, Rogério Augusto Pinto Da. CEU Diagnósticos. Tratamento para endometriose: o que você precisa saber. Disponível em: https://www.clinicaceu.com.br/blog/tratamento-para-endometriose Acesso em Abril de 2024.
5CONSULTA REMÉDIOS. Bula do Danazol – Reações Adversas. Disponível em: https://consultaremedios.com.br/danazol/bula/reacoes-adversas#:~:text=Comuns%3A%20erup%C3%A7%C3%B5es%20que%20podem%20ser,Incomum%3A%20urtic%C3%A1ria. Acesso em Abril de 2024.
6BOUAZIZ, Jerome et al. The clinical significance of endocannabinoids in endometriosis pain management. Cannabis and cannabinoid research, v. 2, n. 1, p. 72- 80, 2017.
7DA SILVA, Alison Jose; DOS SANTOS, Ana Vitoria Ferreira; DE LIRA, Anna Carolina Lopes; DA SILVA, Isaque Bertoldo Santos; BARBOSA, Juliana Oliveira Lopes; BARACHO, Ester Fernanda dos Santos Souza; DO NASCIMENTO, Jadyel Sherdelle Guedes; DA SILVA, Ryan Cristian; DE MELO, Vitória Samara Santana; MACIEL, Elba Verônica Matoso; NEVES, Fernanda Pacífico de Almeida; TENORIO, Fernanda das Chagas Angelo Mendes. O USO DE CANNABIS SATIVA PARA TRATAMENTO DE ENDOMETRIOSE: UMA REVISÃO LITERÁRIA. 02/10/2023.  A pesquisa em saúde: desafios atuais e perspectivas futuras. Universidade Federal de Pernambuco, Departamento de Histologia e Embriologia Recife – PE.
8MEDICINA.IN. Comitê Científico. Canabidiol: efeitos colaterais. 20 de julho de 2022. Disponível em: https://medicina.in/conteudo/tudo-sobre-cbd/canabidiol-efeitos-colaterais Acesso em Abril de 2024.
9LISBOA, Silva; BRUM, Maurício. 2022. Revista Claudia. Saúde & Bem-Estar. Canabidiol e o uso medicinal no combate da endometriose. Disponível em: https://claudia.abril.com.br/saude/canabidiol-combate-endometriose Acesso em Abril de 2024.
10WILSON-KING, Genester. The Role of Cannabis in Endometriosis Treatment. Fundación Canná. Disponível no link https://www.fundacion-canna.es/en/role-cannabis-endometriosis-treatment. Acesso em Abril de 2024.